O Estado de São Paulo tem a maior rede de atendimento ao público feminino vítima de violência do País, por meio das Delegacias de Defesa da Mulher (DDMs). Contudo, transformá-las em unidades 24 horas, como prevê a lei federal 15.541, sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), há pouco mais de dois meses, não é simples. Isso porque, embora importante, a iniciativa esbarra em falta de efetivo e na ausência de uma análise aprofundada quanto à demanda de cada região do Brasil, como alerta a presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp), Jacqueline Valadares.
A legislação que preconiza o funcionamento 24 horas das DDMs, no entendimento de Jacqueline, é louvável, uma vez que visa aumentar a rede de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e/ou de crimes contra a dignidade sexual. A ideia também tende a previnir e a reduzir os índices de feminicídio – altíssimos em todo o Brasil. Porém, a nova lei desconsidera a realidade de cada estado:
“No Brasil, são 492 as unidades especializadas para a mulher, sendo que, na maioria dos estados, tem uma, duas, no máximo quatro Delegacias de atendimento ao público feminino. Já em São Paulo, são 140, entre a capital, região metropolitana e cidades do interior. Ou seja, 36% das DDMs do País estão em solo paulista. Uma coisa é aplicar a lei para o funcionamento 24 horas onde há uma ou duas Delegacias. Outra coisa é aplicar em São Paulo, onde são 140 as unidades do gênero. Logo, não se trata de uma lei que pode passar a valer da noite para o dia”, pondera Jacqueline.
A presidente do Sindicato dos Delegados lembra que o estado de São Paulo já conta com uma rede de proteção às mulheres em funcionamento, “ampla e eficaz”, apesar do déficit em efetivo, de ausência de estrutura adequada e de falta de valorização financeira:
“Além das 140 unidades físicas, sendo que 11 delas já prestam atendimento 24 horas, temos a Delegacia On-Line. Por meio da plataforma da Polícia Civil, as vítimas podem registrar Boletim de Ocorrência (B.O.). Há, ainda, mais de 70 Delegacias em São Paulo conectadas com este sistema virtual. Dessas 70 unidades, as vítimas podem registrar B.O. e serem atendidas em tempo real, de forma imediata. Este é um trabalho que merece ser valorizado e respeitado”, cita.
Para que o atendimento às mulheres nas Delegacias especializadas em São Paulo seja 24 horas, inclusive em feriados e nos fins de semana, conforme a lei de Lula, seria imprescindível a realização de concurso público para a Polícia Civil. Atualmente, a instituição trabalha com 38,5% a menos do efetivo, o que representa 16,5 mil policiais a menos nas ruas:
“São quase cem baixas por mês, sem substituição imediata, segundo recente levantamento feito pelo Sindpesp. Então, não basta abrir uma Delegacia 24 horas. Para isso, é preciso ter profissionais em número suficiente, além de condições de trabalho, o que envolve computadores, armamento e viaturas, por exemplo. O ideal seria a União incentivar e auxiliar os Estados a se estruturarem primeiro, para depois sancionar a lei de funcionamento 24 horas das DDMs. Cada Estado tem uma realidade”, reforça Jacqueline.
Somente delegadas
A lei de Lula ainda prevê que, nas DDMs, o atendimento deva ser prestado, preferencialmente, por policiais femininas, o que, para a presidente do Sindpesp é “inviável”, uma vez que, somente 20% do efetivo da Polícia Civil de São Paulo é de delegadas mulheres:
“Se fôssemos aplicar a lei tal qual está no papel, todas as delegadas lotadas no estado de São Paulo teriam de ser designadas para as DDMs 24 horas, ferindo, assim, a liberdade profissional dessas servidoras de atuarem em outras frentes”.
Hoje, as delegadas da Polícia Civil bandeirante têm a opção de trabalharem em Delegacias convencionais e em outras unidades, como o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), o Departamento Estadual de Investigações sobre Entorpecentes (Denarc) e a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), só para citar algumas possibilidades.