Uma pequena ilha no litoral sul de São Paulo é cheia de segredos que cientistas desvendam há mais de 100 anos. A Ilha da Queimada Grande fica a cerca de 35 km da praia de Itanhaém (SP) e tem entre 2 mil e 2,3 mil jararacas-ilhoas. Por este motivo, ela também é conhecida como Ilha das Cobras.
A visitação na ilha é proibida para pessoas comuns, porque com tantas cobras venenosas, se torna um terreno perigoso. Normalmente o local é frequentado por pesquisadores ligados ao Instituto Butantan e instituições de ensino e pesquisa autorizadas.
Até o nome da ilha teria relação indireta com a serpente. No passado, pescadores da região ateariam fogo na vegetação costeira da ilha para afastar os animais, segundo a prefeitura de Itanhaém.
Essa espécie de jararaca encontrada em Queimada Grande é exclusiva da ilha e acabou surgindo porque ficou isolada do continente e desenvolveu características próprias.
Evolução
Há cerca de 18 mil anos, o nível do mar era mais baixo e a chamada jararaca ancestral ficou isolada quando a água subiu e houve a formação da ilha. É o que explica o pesquisador do Instituto Butantan Otavio Augusto Vuolo Marques, que até escreveu um livro sobre o assunto, o “A Ilha das Cobras”, de 2012.
Ele já visitou a ilha várias vezes desde os anos 1990 e todo cuidado é pouca na hora de manusear as serpentes. “Usamos um tubo transparente de acrílico, tipo uma mangueira transparente, que a gente mantém o animal, para injetar o microchip, acompanhar o peso e tamanho”, explicou.
Diferenças
Essa jararaca diferenciada começou a comer mais aves, já que na ilha não há roedores. Mas não é qualquer tipo de pássaro, são pássaros migratórios, que passam pelo local em determinadas épocas do ano. Tudo indica que as aves que vivem ali já desenvolveram formas de escapar da jararaca-ilhoa.
Outra diferença da ilhoa é que ela tem o hábito de viver nas árvores, facilitando a hora de caçar o alimento. Além disso, elas possuem uma coloração amarelada e o tamanho da cabeça é maior que das jararacas do continente.
O veneno da jararaca da ilha tem um efeito no corpo humano bem semelhante ao da jararaca comum. “Se você testar a jararaca-ilhoa com ratinhos, das duas espécies, você verá que a mortalidade é similar”, relatou o pesquisador.
No entanto, cientistas desenvolvem pesquisas com o veneno, que tem mutações diferentes em sua composição, e podem até ajudar na produção de remédios.
Pesquisa em risco
Otávio Marques estima que a população de jararacas ilhoas caiu pela metade desde a década de 1990. Um levantamento de 2012 estimou entre 2 mil e 3 mil da espécie na pequena ilha.
A redução da espécie pode ter vários motivos, que vão desde a quantidade de alimento – que com a alteração da migração de aves, acaba diminuindo – até o tráfico de animais, que é uma realidade na região.
“A gente não sabe a dimensão do tráfico de animais, o que é muito grave e pode levar à extinção”, explicou o pesquisador Otávio Marques, que disse haver relatos de pessoas que oferecem dinheiro para capturar cobras na ilha.
Otávio alertou que essa possibilidade de extinção da jararaca-ilhoa coloca em risco importantes pesquisas. Uma delas, por exemplo, identificou uma proteína isolada do veneno do réptil que tem possível ação anti-cancerígena.
“Extinguir uma espécie dela pode estar extinguindo um remédio, antes da descoberta”, resumiu o pesquisador.
No Discovery
Considerada de grande valor por pesquisadores e causando um misto de fascínio e horror nas pessoas que temem serpentes, a Ilha de Queimada Grande já foi até “personagem” de uma série do canal Discovery.
“Ilha das Cobras: Caça ao Tesouro Perdido” relata a busca de um grupo de exploradores por um tesouro inca que estaria escondido no local. Os primeiros episódios foram ao ar em 2015.
Na passagem, é claro, os caçadores de tesouro não deixaram de ter encontros desagradáveis com as jararacas-ilhoas.