Mário Leite de Barros Filho*
Recentemente, ao refletir sobre a atividade exercida pelos delegados de Polícia, cheguei à conclusão de que a profissão transforma esses profissionais, espontaneamente, em verdadeiros escritores da vida em sociedade, ao registrarem os vários aspectos da existência humana ao longo de suas carreiras.
Por meio de inquéritos policiais e Boletins de Ocorrências (B.O.s), delegados criam uma espécie de enciclopédia viva de tudo o que lhes cercam, retratando, com sensibilidade e emoção, a história de uma época, capturando os eventos que chegam ao conhecimento desses autores anônimos.
Aos poucos, conforme a natureza da ocorrência apresentada às autoridades policiais, o livro se transforma, vai ganhando forma, contornos, com a ajuda dos valorosos escrivães e investigadores de Polícia, numa verdadeira obra de ação, aventura, drama, comédia, romance, terror ou, até mesmo, de ficção científica.
Realmente, o enredo dos eventos delituosos revela os diversos gêneros literários: desde a perseguição a criminosos perigosos, ao terrível crime de homicídio; do suspense do delito de sequestro, à atividade de inteligência artificial ao desvendar casos intrincados. Vale ressaltar, ainda, a emoção do encontro de uma pessoa desaparecida.
Nessas narrativas estão presentes os principais elementos que compõem o gênero policial: o enigma; o autor, ou o suspeito da prática do crime cometido; a vítima; as pistas deixadas pelo criminoso; e a investigação realizada pelo policial civil.
Além disso, este empolgante trabalho de difusão cultural propicia a oportunidade de o escritor manifestar seu estilo literário. Entre as várias formas, destaque para o realismo, com a descrição objetiva das situações, e a exposição dos fatos sob sua perspectiva, mas sem idealizações e distorções.
Como verdadeiros Sherlock Holmes do mundo moderno, os delegados de Polícia, com astúcia e perspicácia, cativam a imaginação dos leitores, que, ávidos por desvendar os próximos capítulos, seguem ansiosos até a elucidação do mistério do crime.
Infelizmente, os autores dessas fascinantes obras não podem decidir o desfecho das suas histórias, pois, muitas vezes, a realidade impõe finais tristes ao livro da vida.
Importante ressaltar, também, que a atividade literária desenvolvida pelo delegado de Polícia, no exercício da sua nobre missão de garantidor da legalidade e da Justiça, vai além da área do Direito, abrangendo uma grande diversidade de temas, entre eles, a Sociologia.
Neste contexto, as histórias contadas por estes profissionais, pela riqueza das informações dos registros policiais, constituem patrimônio literário de inestimável valor cultural, que, além dos relevantes serviços prestados ao sistema de Justiça criminal, contribuem para a compreensão e reflexão do comportamento humano em sociedade.
*Mário Leite de Barros Filho é delegado de Polícia aposentado; assessor jurídico institucional do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp); professor da Academia de Polícia (Acadepol) “Doutor Coriolano Nogueira Cobra”; membro da Academia de Ciências, Letras e Artes dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo; e autor de diversas obras na área do Direito Administrativo Disciplinar e da Polícia Judiciária.