VINTE ANOS APÓS APARIÇÃO, ‘SANTA NA JANELA’ ATRAI APENAS VIZINHOS NA GRANDE SP

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No livro bíblico de Mateus, Jesus Cristo se compromete a estar presente onde duas ou mais pessoas estiverem reunidas para manifestarem a fé.

No começo da noite de 22 de junho, uma quarta-feira de temperatura agradável na Grande São Paulo, três vizinhos rezavam em uma garagem pequena na cidade de Ferraz de Vasconcelos. No local, acessível por um portão metálico branco, o trio se posicionava diante de um pequeno altar, no qual uma edição da Bíblia apoiada em um suporte dourado era ladeada por uma vela acesa, uma garrafa plástica com água para os frequentadores e uma caixa de madeira cheia de terços e livretos de cânticos. Um crucifixo na parede completava a ornamentação.

Mas o que leva o trio e outros vizinhos àquela garagem no Jardim Juliana estava acima do altar: uma janela de madeira e vidro. No caso, uma mancha na janela que se assemelha à imagem de Nossa Senhora, e que segue intacta na vidraça desde que foi percebida pela primeira vez, em 14 de julho de 2002.

“Tudo que você imagina de bom, ela traz”, afirma Elza Meirelles, 62 anos, uma das presentes às orações naquele começo de noite.

Moradora do bairro há 37 anos, a enfermeira aposentada é vizinha da casa que ganhou fama nacional há 20 anos. Com o passar do tempo, conta que o interesse de curiosos passou a diminuir. Hoje, a rotina do bairro é praticamente a mesma dos tempos anteriores à descoberta da imagem.

“Foi muita repercussão. Nem os donos da casa podiam sair para o mercado”, relata.

Segundo Elza, desde o surgimento da imagem, fiéis se reúnem na garagem da casa para orações todos os dias às 18h. Em geral, seis ou sete pessoas comparecem diariamente.

A própria vizinha diz comparecer “desde que ela apareceu”, descrevendo com serenidade a rotina. “A gente vem, reza o terço… E todo ano tem missa.”

No princípio, rua virou comércio
O imóvel é o endereço do casal Antônio José Rosa e Ana Maria de Jesus Rosa. Coube ao filho do casal, Alan, e um sobrinho deles, João Fagner, a descoberta da imagem na época. Nos meses seguintes, dezenas de milhares de pessoas das mais diversas cidades viajavam até o local.

“Eu fui até o primeiro a ver. Mas eu tinha 10 anos na época. Lembro que a gente estava brincando lá de pega-pega. Acabei olhando para a imagem e vi a imagem de Nossa Senhora. Foi mais ou menos isso”, descreveu João Fagner, o Johnny, que mora na casa ao lado.

Filho de uma das três pessoas que participavam das orações no dia da visita da reportagem, Johnny se descreveu como católico praticante, e afirmou acreditar que a visão de Nossa Senhora na vidraça pode impactar quem acessa o endereço pela primeira vez. No entanto, também diz que a rotina do bairro hoje é praticamente a mesma de outros bairros residenciais.

“Lembro que a rua virou comércio, bastante vizinho vendendo coisas. A rua era fechada por causa da movimentação de pessoas”, descreveu. “Dificilmente aparece reportagem hoje em dia. Não sei nem o que dizer mais, porque faz tempo que não aparece lá.”

Missas anuais
Se a movimentação na casa é pequena nos últimos tempos, um dia em especial é marcado por movimentação. A cada 14 de julho, aniversário da primeira visão da imagem na janela, a garagem da casa de Antônio e Ana Maria recebe uma missa.

Desde 2019, o responsável pela celebração é o padre Antônio Rodrigues Sobrinho, da paróquia Nossa Senhora de Fátima. Ao mesmo tempo em que o religioso sabe que a visão na mancha é uma combinação de ação química no vidro com um fenômeno chamado pareidolia (a grosso modo, o impulso para que vejamos formas e rostos em objetos), reconhece a importância da janela como estímulo aos fiéis.

“Na época, quando surgiu a imagem, os sinais, foi feita toda a análise. Pela diocese (de Mogi das Cruzes, à qual as paróquias de Ferraz de Vasconcelos estão vinculadas), até onde eu sei, não foi constatado nada extraordinário. Foi mais visto como um efeito químico. Só que, a partir daí, permaneceu uma certa devoção, iam lá, rezavam o terço – e continuam indo”, contou padre Antônio por telefone.

“Todo ano, reza-se essa missa lá. Onde tem gente, tem que rezar a missa. É importante, sim, essa permanência das pessoas, essa insistência das pessoas indo lá. É a fé, e a fé é válida em todos os sentidos, todos os momentos”, acrescenta.

Na garagem de Antônio e Ana Maria, pequenas pilhas de cadeiras plásticas estão à disposição de fiéis no caso de um número maior de presentes às orações – como no caso das missas anuais. A pandemia da covid-19 chegou a afetar o evento, que foi oficialmente substituída por uma celebração online.

Nada, porém, que tenha impedido os vizinhos de continuar com as reuniões diárias para a reza do terço. “Aí é que a gente rezou mesmo”, contou Elza, a enfermeira que orava em 22 de junho.

Para o padre Antônio, embora a ciência tenha uma explicação para a imagem, a experiência das orações no local tem muito valor, especialmente depois de tantos anos.

“Se a pessoa insiste, participa da missa, é porque existe algo. Não é do nada.”

Portões abertos
O casal do endereço leva uma vida reservada. Antônio trabalha em São Paulo e, não raro, volta para casa quando já é noite. Ana Maria não gosta de dar entrevistas – segundo os vizinhos, magoada com conteúdos que foram publicados ao longo dos anos.

Mesmo assim, o acesso ao imóvel está disponível para os frequentadores das orações. “Eles nunca fecharam o portão para ninguém”, conta Elza.

Padre Antônio confirma a versão. “As pessoas vão, rezam o terço. A família permite, fica um altarzinho lá. É uma movimentação pequena. Mas pessoas já me falaram que vão todo dia lá”, diz.

Antes nacionalmente conhecida, a “santa na janela” hoje voltou a ser um ponto de reunião restrito praticamente ao Jardim Juliana. Para Johnny, o vizinho que viu a imagem em 2002, a rotina do bairro voltou a ser tranquila.

“Hoje não tem a movimentação que tinha antes”, assegura ele, que nem percebeu a importância da janela em 2002. “Para criança, você sabe como é – leva tudo na brincadeira, não tinha proporção.”

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